segunda-feira, 18 de julho de 2016

“Little Girl Blue”, o documentário que esmiuçou a vida íntima de Janis Joplin



Filme dirigido por Amy Berg apresenta um lado nunca visto da primeira grande estrela feminina do rock

 
Por Márwio Câmara*
Especial para o Jornal Opção


A década de 1960 foi marcada pelo apogeu da contracultura hippie que influenciaria uma legião de jovens no mundo todo, com uma ideologia galgada nos valores liberalistas, atribuídos ao amor livre, repúdio à violência, à emancipação feminina, ao consumo de drogas sintéticas e interesse pela filosofia existencialista. Novas tendências nas artes e na moda foram estabelecidas em alinhamento à esfera vanguardista e esotérica.
No meio de tudo isso, surgia uma cantora que viria a se tornar um dos maiores ícones não apenas dessa geração, mas também da história da música: Janis Joplin. Em “Little Girl Blue”, documentário dirigido por Amy Berg, e que chega às telas dos cinemas brasileiros em julho, a intimidade de Janis é esmiuçada através de correspondências à família, entrevistas à imprensa e imagens raras, retiradas de arquivos pessoais.
Diferente do primeiro documentário, o intitulado “Janis — The Way She Was” (1974), de Howard Alk e Seaton Findlay, que reúne toda a trajetória musical da primeira grande estrela do rock, num compilado de imagens marcantes da mesma no palco, entre os anos de 1967 a 1970, o longa de Berg, narrado pela cantora estadunidense Cat Power, se foca para além do brilhantismo vocal da cantora e do mito em torno de sua figura.
Ao contrário, o documentário tenta contemplar a vívida e frágil personalidade da senhorita Joplin, começando por seus primeiros anos de infância, em Port Arthur, cidade petrolífera do Texas, até o florescer da juventude e os terríveis problemas enfrentados a partir de então.
Outsider
Janis sofreu bullying durante toda a sua adolescência, pois não se enquadrava entre as demais garotas da escola e de sua região e muito menos a certo tipo de beleza padrão: estava acima do peso e apresentava uma pele propensa a acnes. Ainda na mesma época, passou a andar sempre com garotos, agindo como se fosse um deles, o que acabou por prejudicar mais ainda a sua reputação. O trauma de se sentir uma outsider, inferiorizada em sua conservadora cidade natal, marcaria para sempre a trajetória de vida da cantora.
Nos diversos relatos apresentados por familiares, amigos e músicos próximos da documentada, verifica-se o quanto ela fora uma jovem obstinada a conquistar o sucesso para sobrepor a recorrente insegurança de não ter nascido bela e convencional a um estereótipo feminino almejado por suas raízes. De alguma forma, a fama teria o sentido de suprir a hostilidade vivida em Port Arthur, no colégio e na universidade, onde a elegeram como o “garoto mais feio do campus” — alcunha vexatória que profundamente a magoou, como declarou um de seus amigos da época.
Em contraponto, “Little Girl Blue” mostra o quanto o seu espírito boêmio e aloucado inspirou muitas outras mulheres a não sucumbirem a uma zona de alienação moral inclinada à cultura do patriarcado. Experimentou relações com homens e mulheres; radicalizou em seu estilo de ser e vestir; ousou em sua forma de cantar; transformando-se naturalmente num modelo feminista não programado.
O outro lado
Janis era conhecida pela vida intensa e turbulenta, movida pelo vício de drogas e alcoolismo, mas o filme adentra também em aspectos pouco elucidados sobre a primeira grande voz feminina do rock. A personalidade doce e, por vezes, introspectiva de uma típica jovem interiorana, que sonhava em casamento e filhos. Janis buscava um amor que a tirasse para sempre das armadilhas de seu próprio inferno interior e da solidão, quase sempre recorrente na vida dos grandes artistas de showbiz. Por isso, o blues dos negros sempre lhe agradou, sobretudo enquanto essência.
Uma das surpresas do documentário trata-se da participação do célebre Dick Cavett, famoso por ter apresentado um talk show na TV norte-americana, que declarou sua profunda admiração pela amiga cantora, deixando no ar a indagação de um possível envolvimento amoroso tido entre os dois.
Há também um emocionante depoimento de David Niehaus, o namorado holandês que a rockstar conhecera em sua breve estada no Brasil, que rememorou os felizes momentos em que estiveram juntos. Niehaus falou sobre o primeiro encontro dos dois jovens nas areias da praia de Copacabana, durante o carnaval no Rio de Janeiro; seguindo, posteriormente, para o norte do país de motocicleta.
Embora Niehaus a tenha deixado nos Estados Unidos para seguir seu percurso profissional pela África, admitiu nunca ter conhecido uma mulher tão especial como Janis. O vício da cantora em heroína fora o motivo pelo qual ele romperia o relacionamento dos dois.
Orquestrada por belas imagens de Janis dentro e fora do palco, em sua curta carreira de três anos, o documentário conta ainda com os bastidores da gravação em estúdio da emblemática versão de “Summertime”, acompanhada de sua primeira banda, a Big Brother and Holding Company; além de um registro inédito da cantora cantando, ao violão, “Me and Bobby Mcgee”, um dos maiores hits de seu último álbum, o póstumo “Pearl”, durante a excursão no emblemático Festival Express, em 1970.
De Texas para São Francisco e de São Francisco para o mundo, Janis fora reconstituída de forma sensível e magistral por Berg, mostrando as contradições de sua persona, num misto de transgressão e fragilidade, ressinificando o valor atemporal da cantora tanto na esfera feminista quanto na música.
Assista o trailer: http://youtu.be/-oRLyBgz8W


*Márwio Câmara é jornalista e pesquisador nas áreas de Literatura e Cinema. Mora no Rio de Janeiro.

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